A cada dia que
vivo e aprendo com a vida, mais se reforça para mim a constatação de que o
perdão vai bem além de uma atitude localizada e isolada, de que ele se aproxima
de um exercício. É um conjunto de atitudes que vamos tomando e reavaliando,
construindo novas interpretações da vida, descobrindo e escolhendo novos
ângulos. O perdão integra uma série de ações internas e externas e precisa de
tempo para se assentar.
As mágoas nos
prendem ao passado e nos fazem temer o futuro, retiram o poder do presente e a
abertura a vivê-lo. Ocupam lugar no nosso coração fechado, tornando difícil que
outras emoções, outras histórias, outras experiências de vida possam florescer.
Um coração cheio assim é um coração que se aproxima da realidade só pela
metade. Então vamos ficando amargos, não só pelas vivências de mágoa, mas
também pelo fechamento criado que faz com que nossa vida afetiva murche, e
junto com ela nosso viço, nossa alegria, nossa disposição, nosso impulso
criativo.
Muitas pessoas
relutam em pensar em perdão por acreditarem que isso significaria abrir guarda
a pessoas e situações que lhe fariam sofrer. Seguem vida a fora carregando suas
histórias de sofrimento como se fossem escudos: "Agora ninguém me fará mal
novamente, eu tenho essa história para me proteger". Só que esse escudo é
pesado demais, grande demais e impede a visão plena, parece ser um grande
espelho atrás do qual a pessoa se esconde e só vê os reflexos de si mesma com
sombras do passado. Esse escudo não só protege de situações ameaçadoras, ele
acaba por impedir qualquer tipo de contato e nos isola de nossa natureza humana
relacional.
"Mas se eu
não guardar minha história de dor, ela não será reconhecida, como se um pedaço
meu fosse deixado de lado", algumas pessoas podem dizer. Sim, é importante
reconhecermos cada pedaço de nós, mas não precisamos carregar as dores como se
fossem troféus pesados numa sacola enorme. Precisamos reconhecer nossas
cicatrizes como marcas do combate, mas sem peso e dor."Precisamos
reconhecer nossas cicatrizes como marcas do combate, mas sem peso e dor."
Certa vez ouvi
uma frase que clareou bastante para mim o significado mais profundo do perdão:
"O verdadeiro perdão consiste em abrir mão da esperança de que o passado
fosse diferente". Então, não é escancarar a porta da minha casa e da minha
vida para quem me fez mal? Nem esquecer o passado? Pois é, o perdão que abre o
coração é aquele que reconhece que o passado passou e que nada pode mudá-lo.
Somente o presente bem vivido pode inserir novas pegadas nessa estrada. Perdão
inclui ainda a necessidade de reconhecermos que nós também fizemos o que podia
ser feito, o que demos conta de fazer, dentro das possibilidades que
vislumbrávamos: autoperdão. Nos reconhecermos humanos, passíveis de erro e de
acertos na tentativa do aprendizado.
Não se trata de
varrer a poeira para debaixo do tapete. É na verdade um exercício de ver e
sentir tal poeira do passado, identificar de onde vem e onde está. E, então,
começar a limpá-la, se necessário buscar ajuda para isso, usar todos os
recursos disponíveis para deixar a casa limpa e aberta para a brisa fresca dos
novos tempos. Um coração que se abre para reconhecer e tratar de suas mágoas é
um coração livre para bater de novo, no ritmo das emoções que surgirem aqui e
agora.
(Juliana
Garcia)
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